domingo, 3 de junho de 2007

o desapego em pessoa

Todos os dias, lá está o mendigo de novo, sentado na beirinha da calçada com seu saco de roupas ao lado. Caminha quilômetros só para passar o dia naquela avenida. Não amola ninguém pedindo esmolas. Certo, choraminga lanches entre os vendedores ambulantes de sanduíches, acarajé e pipoca, mas é só.

Não conversa, não bebe, não fuma, não fala sozinho, não escreve, não caminha, nem mexe em lixo. Apenas observa o movimento dos carros e das pessoas.

Esse mendigo pode ser um sábio praticando o nada existencial na frente de todo mundo para mostrarmos como somos ridículos na nossa vidinha cheia de horários e regras morais e padrões de beleza, como somos pequenos em nossa correria, em nossas hipocrisias, em nossos medos e burocracias.

Pelo silêncio e a distância de seu olhar, deduzo que não chega a ser nenhum Joe Gould. E mesmo assim, certamente sua alma é bem mais evoluída do que a da maioria da humanidade, especialmente na questão desapego.

Devo reverenciá-lo, e tentava fazê-lo todos os dias, dizendo bom dia; e ele me ignorava, arrogante. Desisti humilhada, envergonhada da minha própria mediocridade. Ele me olhava como se eu fosse invisível e dizia, sem palavras, com esse gesto: quem você pensa que é, sua tola, para incomodar meu reinado?

Um comentário:

joshua disse...

Katerine Funke, gostei muito de ti! Tens de gostar de mim também!


Joshua