sexta-feira, 13 de abril de 2007

de um jeito silencioso

Ele continua falando, e eu em outro mundo. Vejo seus lábios abrindo e fechando, os olhos me comunicando a satisfação que sentiu quando fez não sei bem o quê, o braço direito erguido para destacar os acenos de mão enquanto o outro segura o controle remoto da TV. O som da sua voz me leva pelo ar e a mensagem que ela passa se perde na viagem.

Eu apenas aceno com a cabeça vez ou outra, digo que sim, que ah é, que poxa!, que e aí?, que e depois?, e dentro da minha mente outra história acontece.

Ponho um disco do Miles Davis para tocar. In a Silent Way. O teclado misterioso, as harmonias da guitarra, a percussão em seu ritmo constantemente desrespeitado pelo resto da banda, como se fosse o motor em alta rotação de um carro que resulta em velocidade lenta, 30km/hora. Miles pilota o veículo. Miles dá o comando.

É o portal para a outra dimensão. A fantasia, a imaginação, a percepção sensorial. A banda agora brinca com percussão, guitarra e teclado. Miles está calado. Apenas rege. Aprova com a cabeça. Aproveita para acender um cigarro. Apaga no segundo trago, e enche o copo com água. Bebe lentamente, e nos intervalos esfrega simultaneamente a língua no alto da boca e um lábio contra o outro como se quisesse se parabenizar pelo que inventara.

Ah, Miles. Você nasceu para brilhar.

Miles pega de novo seu instrumento e entra certo, exato, para executar suas notas precisas, precisamente loucas.

O mundo gira fácil, bonito, as flores balançam ao vento, você caminha charmosamente no jardim, lá fora só tem nós, o mundo é só você e eu. E agora só é céu azul-perfeito, as nuvens brancas se transformando em violão, em gato, em rosto de astro de novela das 8, em cobra, e é só, sozinha estou, ele continua falando.

- Só - eu digo, concordando.

Um comentário:

Anônimo disse...

que viagem doida