Era sempre assim: passava o discurso a limpo no sábado, depois de tê-lo riscado e reescrito algumas vezes. Com a versão final em punho, colocava-se em frente ao espelho do banheiro e lia em voz alta exatas quatro vezes para medir as necessárias pausas entre cada frase preciosa e outra, escolher a entonação adequada e decorar alguns trechos mais fortes, afim de dizê-los olhando para a platéia. Treinava também o olhar. Criou expressões para o grave, o compreensivo, o acusador, o divino.
Durante anos, foi o melhor sacerdote que aquela pequena cidade havia tido na vida. A igreja lotada ia às lágrimas, às risadas, ao perdão, à mais sincera paz. A comoção transformava os hinos em verdadeiras canções de libertação e fé.
Um dia, depois de uma missa com baixa audiência, de repente o padre percebeu que havia se tornado repetitivo. E a revelação veio em lampejo.
- Então é isso, não consigo mais escrever nada sem lembrar de algo já escrito. Estou fracassando, estou fracassando.
Iniciou-se o sofrimento.
Filha
Há 3 meses
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