sábado, 21 de abril de 2007

motô de buzú

que merda é essa, motô?, perguntaram os passageiros, em côro, cada um do seu jeito, quando o motorista de um coletivo parou o veículo e desceu, sem desligá-lo, para tomar uma água do lado de fora.

calma, gente!, pedi. oras, no verão baiano o calor infernal deixa qualquer motorista sedento. os de ônibus ainda sofrem o azar da ventilação precária, do ruído imenso sobre os ouvidos e da grande distância prevista nas linhas.

para chegar ao ponto final da linha, um motorista às vezes dirige uma hora e meia, e muitas vezes não tem tempo de descer para urinar ou beber água ou fazer um lanche ou fumar um cigarro ou ligar para alguém e dizer que a ama, ou simplesmente olhar o céu e pensar 'que vida de merda eu tenho'.

então, vez ou outra um motorista pára o carro e desce para comprar água. normal. sejamos humanos.

outro dia um deles parou o veículo fora do ponto, e sem desligar o motor desceu do carro. todos os passageiros se inquietaram e acharam que ele iria verificar algum pneu furado ou algo tipo. e ficaram olhando.

e todos viram quando aquele senhor baixinho abriu o zíper e mijou em cima de uma das rodas. e quando tirou do bolso um lenço para enxugar o suor da testa. ele era careca, usava óculos grandes de armação preta e bigode, e tinha cara de pai de família. a barriga era imensa, e a camisa bem passada dava ares de bom trabalhador.

quando entrou no veículo de novo, uma senhora velhinha, sisuda e feia começou o sermão do banco da frente, que porquice! onde já se viu? vou fazer uma reclamação! não se respeita mais nada nesse mundo! onde já se viu! vixe maria!

o motorista ouviu calmamente, enquanto se ajeitava no banco para retomar a rotina. eu estava lá e vi quando ele respondeu, olhando pelo retrovisor e ajeitando o óculos: desculpe, mas a senhora por acaso não urina não, minha senhora?

e deu uma pausa, olhando para a velha. diante do silêncio constrangido da mulher, pisou na embreagem e colocou o veículo em movimento.

agora ouvindo comentários e xingamentos de vários passageiros, botou a cabeça para fora da janela e escarrou. acho que todo motô de buzú quer dar uma bela escarrada como aquela, e cuspir toda sua raiva e inveja por cima dos outros carros, os menores, os que não carregam quase 80 pessoas (suadas, cansadas, irritadas, humilhadas, desrespeitadas e putas da vida).

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